A palavra irenologia é
composta por dois vocábulos gregos: eirene, paz, e logos, estudo. Portanto, a irenologia é o estudo sistemático da
paz conforme a concebem as diversas culturas, sociedades, religiões e saberes.
Trata-se de uma disciplina acadêmica, que tem por objetivo investigar as
condições, o ambiente e os envolvidos no esforço comum para se estabelecer,
manter e promover a paz quer entre nações, quer entre grupos sociais ou mesmo
entre indivíduos.
Os
estudos irenológicos andam, paradoxalmente, de mãos dadas com os polemológicos.
No estouro de um conflito, armado ou não, a primeira coisa a ser buscada é a
paz. Nesse esforço, até mesmo um armistício é motivo de festejos e
comemorações. Etimologicamente, o termo “armistício”,
oriundo do latim armistitium,
significa “cessação das armas”. Nessas ocasiões, como resultado dos movimentos
diplomáticos, os lados envolvidos sentam-se a negociar uma paz definitiva; às
vezes, nem provisoriamente se logra obtê-la. Naquele momento, os adversários
igualam-se à mesa de negociações; todos querem acabar com o conflito; pelo
menos é o que se espera.
Todavia, nem sempre a
ausência de um conflito armado pode ser qualificada como paz. Há de fato
ausência de guerra, mas não há presença de paz efetiva. Foi o que ocorreu após
a Segunda Guerra Mundial. A União Soviética e os Estados Unidos, polarizando o
mundo, viveram uma guerra fria de quatro décadas. Se nos voltarmos à Bíblia,
porém, descobriremos que a paz é possível até mesmo em meio aos embates mais
violentos.
2.
Paz, uma definição sempre possível e esperada.
Tenho para mim que a paz é
caracterizada por uma serenidade íntima inexplicável. Foi o que Paulo escreveu
aos irmãos de Filipos sempre às voltas com os inimigos da cruz: “E a paz de
Deus, que excede todo o entendimento, guardará o vosso coração e a vossa mente
em Cristo Jesus” (Fp 4.7, ARA). Como explicar semelhante paz que amaina até o
sol mais abrasador ou a tempestade mais bravia.
Em hebraico, a palavra paz
vai além de um mero enfoque filosófico. O termo shalom, além de paz, evoca augúrios de saúde, prosperidade e autocontrole.
No grego, a palavra eirene, traduzida adequadamente para a
língua portuguesa como paz, tem uma origem interessante, apesar da mitologia
que a cerca. Irene era filha de Zeus e de Têmis. Juntamente com suas irmãs Eunomia
e Dice, achava-se responsável pelo bom andamento das coisas. Enfim, a boa e solícita
Irene tinha por tarefa zelar pelas afeições cósmicas. Se ela viesse a falhar,
Céus e Terra perderiam toda a harmonia, melodia e ritmo; a música universal
seria impossível.
Quando nos voltamos à Bíblia
Sagrada, constatamos que a verdadeira paz vai além dos mitos e transcende as
academias mais lógicas. Em Isaías, descobrimos que a paz tem como príncipe o Filho
de Deus. O profeta, ao alinhar os principais títulos de Jesus Cristo,
poeticamente anuncia: “Porque um menino nos nasceu, um filho se nos deu; o
governo está sobre os seus ombros; e o seu nome será: Maravilhoso Conselheiro,
Deus Forte, Pai da Eternidade, Príncipe da Paz” (Is 9.6, ARA).
Se a paz tem como príncipe o
Senhor Jesus, como podemos defini-la? Antes de tudo, ela não é uma simples e
expectada ausência de conflitos; ela é possível até mesmo em meio aos
entreveros mais indescritíveis. Alguém, certa vez, pintou-a como um pássaro a
cantar em plena tempestade. Enquanto tudo ruía à sua volta, a avezinha
teimosamente canora trinava uma bela melodia ao Criador. Se na paz, não temos
paz, como nos comportaremos num conflito?
Foi o que o Senhor indagou
ao seu profeta: “Se te fatigas correndo com homens que vão a pé, como poderás
competir com os que vão a cavalo? Se em terra de paz não te sentes seguro, que
farás na floresta do Jordão?” (Jr 12.5, ARA).
Às vezes, surpreendo-me na
mesma condição de Jeremias. Embora tudo à minha volta rescenda à paz, acho-me
em guerra comigo mesmo. Mas, como superar os conflitos que nos assolam a
interioridade? A resposta é simples e teologicamente comezinha: encher-se do Espírito
Santo, o promotor da paz por excelência.
3.
Jesus é o Príncipe da Paz.
Sim, o Senhor Jesus é o
Príncipe da Paz. Que nobiliarquia pode ostentar semelhante título? Nenhum
monarca terreno, ainda que traga a alcunha de pacífico, reúne as condições
necessárias para efetivar a paz no coração humano. Uma paz, aliás, que só foi
possível no Calvário, conforme escreve Paulo: “Justificados, pois, mediante a
fé, temos paz com Deus por meio de nosso Senhor Jesus Cristo; por intermédio de
quem obtivemos igualmente acesso, pela fé, a esta graça na qual estamos firmes;
e gloriamo-nos na esperança da glória de Deus” (Rm 5.1,2, ARA).
Nessa passagem, observamos
que a verdadeira paz é o resultado de um processo redentor que, tendo início
antes da fundação do mundo, culminou na morte, ressurreição e glorificação de
Jesus Cristo. Por intermédio de seu sacrifício vicário, Ele reconciliou-nos com
Deus, tornando-nos propícios à sua justiça. No exato instante em que o aceitamos
como Salvador e Senhor, justificou-nos Ele perante o Justíssimo Deus. E, desde
então, passamos a ser vistos, pelo Juiz de toda a Terra, como se jamais
tivéssemos cometido qualquer delito, transgressão ou pecado. O encerramento
desse processo judicial, junto à corte celeste, trouxe-nos uma paz que o mundo
não pode conhecer.
É por essa razão, primordial
e essencialmente soteriológica, que o Senhor Jesus foi honrado com a elevada
nobiliarquia de Príncipe da Paz. Não podemos atribuir-lhe semelhante título
apenas em virtude das profecias que o mostram a pacificar as nações no Milênio.
Ele é assim chamado, porquanto infunde, nos corações mais tormentosos e revoltos,
a paz que excede todo o entendimento.
No ato de nossa conversão,
recebemos a paz como resultado do processo de justificação perante o trono de
Deus. Todavia, para mantermos a qualidade e a excelência dessa mesma paz, é
imperativo cultivá-la, não como um mero adorno processual, mas como fruto do
Espírito Santo (Gl 5.22). Se o fizermos, não teremos dificuldade alguma em
oferecer a Deus o que o autor sagrado chama de sacrifícios de louvor. Era assim
que o adorador do Antigo Testamento apresentava-se
ante Jeová para apresentar-lhe ofertas e dons pacíficos. Nesse ato litúrgico,
ele sabia que estava sendo contemplado pela graça divina que, tanto naquele
tempo quanto agora, deve acompanhar todas as nossas devoções.
4.
Graça e paz, a comunidade dos sacrifícios de louvores.
Em suas epístolas, Paulo
saudava as igrejas com uma fórmula que, embora provinda do grego e do hebraico,
expressava a plenitude do Evangelho: graça e paz (Rm 1.7; 1 Co 1.3; Ef. 1.2).
Ao dirigir-se aos santos com uma expressão tão profunda e significativa, o
apóstolo conscientizava-os de que eles se constituíam na comunidade de
sacrifícios de louvores e paz por excelência: obra da graça. Mesmo sem a beleza
da liturgia e do cerimonialismo levíticos, não deixavam eles de expressar toda
a formosura da vida cristã.
O
que é um sacrifício de louvor?
Atentemos às palavras do
autor da Epístola aos Hebreus: “Por meio de Jesus, pois, ofereçamos a Deus,
sempre, sacrifício de louvor, que é o fruto de lábios que confessam o seu nome”
(Hb 13.15, ARA). Nessa exortação, distinguimos a diferença entre o sacrifício
de louvor do Antigo e o do Novo Testamento.
O
primeiro era gestual e dramático; o segundo é oral e marcado por
amorosas proposições. Aquele dependia de um altar; este tem como altar o
próprio adorador que, soteriologicamente, é o templo do Espírito Santo. Na Antiga
Aliança, o crente dependia de um lugar específico para oferecer a sua oferenda
ao Senhor. Já em a Nova Aliança, o discípulo de Jesus é instado a demonstrar o
seu culto racional em todos os tempos e lugares; ele é o altar e o santuário.
O sacrifício de louvor
manifesta-se por meio do fruto dos lábios. Louvando a Deus em todo o tempo, não
nos desboquemos em murmurações, impropérios e palavras de calão. Em todo o
tempo, demonstremos nossa gratidão ao Senhor. Até mesmo nas instâncias mais
insuportáveis, curvemonos, qual Jó resignado, a adorar aquEle que faz com que
todas as coisas concorram para o bem dos que o amam.
Mais adiante, voltaremos a
falar da Igreja de Cristo como a sociedade de sacrifício de louvores. Agora,
faremos uma pausa para ver como os hebreus apresentavam suas oferendas
pacíficas a Jeová.
Oferecemos um sacrifício de
louvor a Deus, quando lhe cumprimos plenamente a vontade (Hb 13.15). Mas, para
que a plenifiquemos em nosso dia a dia, é imprescindível apresentarmo-nos
diante dEle com um espírito humilde e quebrantado (Sl 51.17). Ao nos conformarmos
à sua vontade, entregamos-lhe a mais excelente das oferendas: nosso amor
incondicional e provado.
Veja o Senhor Jesus. Até
mesmo às vésperas de sua paixão louvou ao Pai; cantou um hino. Conquanto não
lhe saibamos a letra, a melodia está em nossa alma. Isso é sacrifício de
louvor; adorar a Deus ante o algoz.
Fonte: ANDRADE de.
Claudionor. Adoração, Santidade e Serviço. Os princípios de Deus para a sua
Igreja em Levítico 1ª edição: Abril/2018
- CPAD