A analogia que vamos
apresentar é mais que uma comparação entre a teoria e um fato em questão. Trata-se
de duas realidades que caminham juntas: a igreja e a família.
O pastor que se divide entre
o lar e a igreja pode experimentar uma ambivalência. O mesmo tratamento que ele
dá aos membros da igreja, dá à família, muitas vezes com uma diferença. Esposa
e filhos são pesos que ele se vê obrigado a carregar. Afinal, há uma igreja e
um ministério que exigem um pai de família exemplar.
Sair de um ambiente como pastor e, a pouca distância, entrar na
intimidade do lar como pai é uma tarefa que significa viver na pele o desafio
de um relacionamento profundo. Sair do ambiente de uma realidade eclesiástica,
cujas ações pastorais são honradas e louvadas, e entrar no lar que pode estar
vivendo um ambiente de conflitos é um contraste vivido por muitos obreiros. Ser
pai exige mais que o jeito costumeiro na gestão eclesiástica.
Os dilemas das ovelhas,
geralmente tratadas pelas ações de curta duração, não têm o aprofundamento na
relação, no processo da restauração. Refiro-me aos gabinetes de aconselhamentos
ou as "paradinhas" num lugar qualquer do pátio da igreja, após o
culto. Ouvir o lamento de alguma ovelha aflita é uma prática caracterizada por
encontros rápidos, onde pretende-se chegar a uma solução que vem rápida e
simplista diante de um problema que pode estar se arrastando há anos.
Geralmente as conclusões são taxativas. "Faça isso, você está errando
naquilo e... a paz do Senhor! Até o próximo culto!"
O simplismo em certas
orientações eclesiásticas se estende também ao lar. Esse obreiro chega em casa
com o rosto austero, tentando manter viva a austeridade pastoral e não consegue
se desvencilhar dos desafios como pai. Depara-se com o filho mais velho que
está com problemas no seu casamento. A solteira caçula e protegida pela mãe
declara subitamente que está com problemas íntimos. O segundo filho anda meio
estranho. Sempre com os olhos vermelhos e comportamento temperamental. Brigas e
discussão são constantes em casa. Há mais quatro filhos que tocam e cantam na
igreja, mas, vez por outra, se envolvem em alguma confusão doméstica. Embora
sempre esperando a saúde espiritual na família, esperando harmonia e equilíbrio
na intimidade do lar, sair da igreja e entrar em casa é como sair do céu para
entrar no quase inferno dos conflitos e descompasso no pequeno mundo do
papai-pastor.
1. Não vivo no paraíso
Esse obreiro percebe que
diálogos curtos de gabinete ou do pátio da igreja já não satisfazem mais os
filhos adolescentes, que esperam um relacionamento longo e profundo com o pai.
Muito menos os discursos pastorais. Eles não surtem o mesmo efeito como no
púlpito.
O simplismo
verbal no tratamento dos grandes problemas familiares é o mais pobre de todos
os recursos. Não é fácil ver a filha adolescente virar as costas para
o pai que não se esquece que é pastor mesmo dentro de casa, e sai batendo a
porta da frente deixando atônito quem está acostumado a ser respeitado dentro
da igreja.
Olhar indignado o filho que
já se acostumou na teimosia, numa ação que fora interditada inúmeras vezes...
Até a esposa já entrou num estresse crônico, substituindo o ouvido de companheira
pela boca de reclamadora obsessiva. Assim, o honrado pai, marido e pastor
conclui: "Não vivo no paraíso. Qualquer lugar, menos o paraíso".
Será que o marido e pai tem
que perpetuar a síndrome de Adão? Quando se imagina construindo um
"céuzinho", em casa, se vê sendo expulso do seu próprio paraíso. Não
uma expulsão física, mas a expulsão da possibilidade de a família ser o exemplo
que todos esperam. Um gradual aborto da esperança em ver uma família conforme o
seu próprio ideal - ser padrão e referência. A família ideal dá lugar à
decepção. Esse obreiro se desespera, grita com os filhos, se desentende com a
esposa. Ameaça e surra os que cometeram mais excessos no fim de semana. Se
irrita.
2. Tempo para ouvir
Nasci e fui criado num
ambiente sacerdotal. Sou filho do pastor Venâncio Rodrigues Santos, que deu
mais de meio século da vida à obra de Deus. Assim, já ouvi o pior que poderia
ser dito a um filho de pastor. Refiro-me não só a experiência pessoal, também a
depoimentos de outros filhos de pastores em muitas cidades brasileiras.
Exemplos: "Os filhos do pastor têm a obrigação de ir à igreja! Os filhos
do pastor são os piores! Os filhos do pastor têm que dar exemplo mais do que os
outros!"
Vivemos uma cultura familiar
onde o comportamento é regido por regulamentações lacônicas, como: "Não
use isso", "Não pode" e "Não faça". Eu já cometi
alguns erros na criação de meus filhos. Não me coloco aqui como modelo na
criação de filhos. Falo também dos meus erros e acertos. Falo com uma história
de 20 anos de casamento e três filhos. Não me proponho como referencial de
perfeição; divido-me na experiência. Fui lacônico, em certas ocasiões, e dialoguei
muito pouco em outras. Exigi comportamento sem me preocupar com o que meus
filhos queriam. Em todas as circunstâncias, a vontade do filho não era
considerada. Houve broncas exageradas em outras situações.
Depois dessas e de outras
falhas de pai, repensei. Também cheguei com muito esforço a reconsiderar meus
erros com meus filhos e lhes pedi desculpas. Em outras situações, não
reconsiderei, acreditando que isso me faria perder a minha autoridade de pai.
Duplo erro. Mas a raiz de meus erros era a exigência que eu lhes impunha de
seguirem o meu padrão ideal para a vida deles. Sempre os via com a minha fôrma
tirada das algibeiras da intolerância e incompreensão. Quando me conscientizei,
confesso que fiquei bem mais tolerante, menos chato, menos ranzinza, menos
ditador e mais pai e, especialmente amigo. A impaciência em tratar grandes
problemas em família, com palavras curtas e simplistas, estão sendo
substituídas por olhar nos olhos, ouvir, ouvir e olhar nos olhos, sorrir e
conversar de igual para igual. Assim, estou conseguindo gradualmente uma grande
bênção! Estou vendo em minha casa talentos.
3. Procurando talentos
Outro dia eu conversava com
um jovem obreiro numa reunião de casais. Eu defendia o relacionamento com Deus
como fundamento basilar no cristianismo verdadeiro e autêntico. É abrir os
olhos para a comunhão, e para o relacionamento afetivo e profundo com a pessoa
de Deus. A base do cristianismo não é a interdição; é o relacionamento.
Numa relação íntima e
profunda com a pessoa de Deus, percebe-se, consequentemente, o que pode e o que
não pode. Esse é o modelo. Deus, como Pai, nos ensina o melhor método na
criação dos nossos filhos - o relacionamento afetuoso. E não há relacionamento
se não existir um olhar que procura o talento dos filhos. É trágico abortar
defeitos e falhas com pancadarias. Isso não é educar. Educar é estar aberto à
potencialidade do filho. O que evita drásticas e desagradáveis medidas. A
formação do caráter cristão e do futuro homem de sucesso que ainda é
adolescente está na prospecção do talento já existente.
Você conseguiria ver
talentos em seus filhos? Você conseguiria ver em sua casa um Santos Dumont,
Albert Sabin, Martin Luther King, Billy Grahan ou Mozart?
Evidentemente, a preocupação
com as questões espirituais não se esgota com o apagar das luzes da igreja após
o culto de domingo à noite. Quando chega em casa, o obreiro continua seu esforço
para manter viva a chama da comunhão com Deus, especialmente tratando-se de
seus filhos. Mas em casa ele é mais que pastor. Ele é pai. E como tal ele tem o
privilégio de desenvolver tanto os aspectos espirituais no caráter de seus
filhos quanto de identificar os talentos que ele tem dentro de casa.
Muitos filhos não alcançam
sucesso na vida pessoal por falta da descoberta e desenvolvimento de seus
talentos. Muitos obreiros esperam que seus filhos sejam obreiros. Isso é bonito
e nobre. Mas toma-se importante deixar essa decisão para Deus e seu filho. O
esforço inicial, desde os primeiros anos de vida, pode ser concentrado em
tentar descobrir qual a característica da inteligência de seus filhos. E
espiritualmente nobre quando desenvolve-se a vocação de seus filhos a partir da
realidade da natureza mental, já estruturada pelo Criador. Deus é o criador de
toda natureza humana. Por conseguinte, Deus é o criador da inteligência.
Descobrir a tendência dos
filhos pelas vias da inteligência é uma atribuição digna de um pai que investe
no futuro de seus filhos. Vamos a algumas importantes identificações.
a) Inteligência linguística: É a habilidade de usar a
linguagem para convencer, agradar, estimular ou transmitir ideias. Seus
componentes centrais são uma sensibilidade para os sons, ritmos e significados
de palavras, e uma especial percepção das diferentes funções da linguagem. Os
filhos com talento neste tipo de inteligência gostam de envolver-se com os sons
da língua: lendo, escrevendo ou falando. Eles podem pretender tomar-se
escritores, secretários, editores, professores de humanidades, cientistas
sociais ou políticos.
b) Inteligência
lógico-matemática: É a habilidade para explorar relações,
categorias e padrões, através da manipulação de objetos ou símbolos, e para experimentar
de forma controlada. É a habilidade para lidar com séries de raciocínios, para
reconhecer problemas e resolvê-los. O componente central desta inteligência é
uma sensibilidade para padrões, ordem e sistematização.
Os filhos com talento neste
tipo de inteligência desenvolvem formas altamente abstratas de pensamento
lógico e constantemente estão questionando e especulando sobre eventos
naturais. Eles podem querer vir a ser cientistas, engenheiros, programadores de
computadores, contadores e até filósofos.
c) Inteligência espacial: E a habilidade para
manipular formas ou objetos mentalmente e, a partir das percepções iniciais,
criar tensão, equilíbrio e composição, numa representação visual ou espacial. E
a capacidade para perceber o mundo espacial e visual de forma precisa. Os
filhos com talento neste tipo de inteligência pensam em imagens e quadros e
preferencialmente estão rabiscando, desenhando, ou construindo coisas. Eles
podem desejar ser arquitetos, artistas, mecânicos, engenheiros, engenheiros ou planejadores
urbanos.
d) Inteligência musical: E a habilidade para produzir
ou reproduzir uma peça musical, para discriminar sons, perceber temas musicais,
ritmos, texturas e timbres. O componente central é a sensibilidade para sons,
ritmos e timbres. Os filhos com talento neste tipo de inteligência frequentemente
cantam, cantarolam, assobiam baixinho para eles mesmos, movimentando partes do
corpo à medida que fazem isto. Eles podem desejar ser cantores, músicos,
maestros, dirigentes de corais ou críticos de música.
e) Inteligência interpessoal: É a habilidade para entender
humores, temperamentos e motivações de outras pessoas para perceber intenções e
desejos e reagir apropriadamente a partir dessa percepção. Os filhos com
talento neste tipo de inteligência compreendem pessoas, estando constantemente
envolvidos em relacionamentos humanos com colegas e amigos, seja liderando
atividades, organizando festas, fazendo comunicações ou mediando conflitos.
Eles podem querer tornar-se conselheiros, homens e mulheres de negócios,
empresários, organizadores e líderes comunitários.
f) Inteligência
intrapessoal: É a
habilidade para ter acesso aos próprios sentimentos, sonhos e ideias, para
discriminá-los e lançar mão deles na solução de problemas pessoais. E o
reconhecimento de habilidades, necessidades, desejos e inteligências próprios,
a capacidade para formular uma imagem precisa de si mesmo e a habilidade de
usar essa imagem para funcionar de forma efetiva.
g) Inteligência
naturalista: E a
capacidade do ser humano de se relacionar positivamente com o seu meio ambiente
imediato e o cosmos. Usamos nossa Inteligência naturalista para pensar sobre
plantas, animais, nuvens, rochas e outros fenômenos naturais. A inteligência
naturalista permite às pessoas distinguir, classificar e usar os elementos do
meio ambiente. Pessoas com uma inteligência naturalista forte gostam de: cuidar
de flores, plantas, animais de estimação; observar detalhes; analisar
semelhanças e diferenças; colecionar rochas, insetos, folhas; predizer o tempo;
classificar fauna e flora; reconhecer espécimes, estrelas e nuvens; estudar
fenômenos da natureza; entender a ecologia e a interdependência ambiental;
proteger o meio ambiente.
Um filho com esta
inteligência dominante poderá vir a ser um ambientalista, ecologista,
veterinário, astrônomo, biologista, botânico, treinador de animais, oceanógrafo
ou um naturalista. A Teoria das Inteligências Múltiplas é contestada por alguns
cientistas que seguem a escola de Piaget. Esses consideram que a inteligência
não se desdobra nessa multiplicidade. A inteligência, sendo única, se manifesta
em vários aspectos, argumentam.
Deixando de lado a
conflitante hermenêutica científica, o importante para os pais é descobrir o
quanto antes, a tendência do talento de seus filhos, até por uma questão de
saúde no relacionamento. Antes de dizer "burro",
"incompetente", "sem futuro", e outros "elogios', cabe
à consciência de que, nós pais, enquanto educadores temos a responsabilidade
diante de Deus em conduzir nossos filhos a Jesus, mas também ao sucesso na
sociedade e na família.
4. Tipos de personalidade dos filhos
Procurando enriquecer ainda
mais os recursos dos pais obreiros, gostaria de pontuar algumas características
na personalidade dos filhos que podem auxiliá-los a entenderem melhor o
comportamento dos filhos. E subsidiando na análise com sugestões, temos o que
funciona e o que não funciona com cada tipo. Evidentemente, os pais percebem
com certa agudez, no momento da ocorrência de algum fato, outras incursões que
funcionam na correção.
a) O argumentador: É o tipo comunicativo, cheio
de energia, que jamais aceita um "não" como resposta e quer saber, a
todo custo, por que as coisas não podem acontecer como ele gostaria. Questiona
insistentemente os pais com o objetivo de fazer com que eles desistam de impor
o que querem e acabem concordando com ele. O que, aliás, não é difícil de
acontecer, porque cansa os adultos ou acaba incutindo neles um sentimento de
orgulho ("meu filho sabe o que quer") que os torna complacentes.
b) O sedutor: Esse não se intimida com
palavras autoritárias ou repreensões. Tenta manipular os pais com olhares,
brincadeiras ou sorrisinhos marotos para persuadi-los a esquecer da bronca. É
esperto o suficiente para detectar exatamente o ponto fraco dos adultos e
fazê-' los se render ao seu jeito.
O
que não funciona com ele: Entrar no jogo da sedução. Apesar da
tentação, evite cair na risada ou demonstrar irritação diante das gracinhas
dele, porque isso lhe assegura que tem o poder de controlá-la emocionalmente, o
que torna sua "técnica" eficaz.
O
que funciona: Ignorar seus truques. Ser firme e demonstrar
confiança naquilo que está dizendo. Explicar por que ele não pode fazer uma
determinada coisa e não se intimidar com suas gracinhas.
c) O perfeccionista: Estabelece padrões muito rígidos
para si mesmo e é muito crítico quando comete algum erro. Crianças desse tipo,
quando repreendidas ou censuradas, tendem a dizer "ninguém gosta de
mim" ou a se culpar pelo que fizeram.
O que não funciona com ele: Criticá-lo. Depois do "não", evite
frases do tipo "você já deveria saber disso" ou "estou triste
com você". O perfeccionista já tem um sentimento agudo de decepção consigo
mesmo e não precisa de reforço nisso. Além de piorar sua auto-estima, a crítica
não fará com que mude de atitude.
O que funciona: Envolver a criança na solução do problema.
Quando ela se recusa a aceitar um determinado limite, demonstre que confia na
sua capacidade de resolver a questão. Assim se sentirá valorizada e você não
correrá o risco de ser chantageado com frases mais apelativas do tipo "sou
mesmo uma idiota e você me odeia". Se isso acontecer, resista à tentação
de dizer "isso não é verdade; nós te amamos". A criança precisa
entender que sua bronca não tem nada a ver com seus sentimentos em relação a
ela. Se continuar insistindo em se culpar ou menosprezar, procure a orientação
de um bom conselheiro na igreja.
d) O desligado: Ele vive no "mundo da lua",
inclusive quando é repreendido. Ignora completamente o que seus pais estão
dizendo e continua envolvido em suas atividades, deixando claro que não se
importa com a opinião deles.
O que não funciona com ele: Pensar que suas orientações serão ouvidas
apenas porque você as repete com frequência. Se a criança não estiver com a
"antena ligada" e, principalmente, interessada no que você tem a
dizer, não vai conseguir absorver a mensagem.
O que funciona: Olhar bem dentro dos olhos da criança e pedir
que ela o escute. Se for preciso, você deve intervir de maneira mais objetiva:
pegue-a no colo e retire-a do local onde não deveria estar, ou coloque-a na
cama se chegou a hora de dormir, sem discutir ou permitir qualquer tipo de
argumentação. Se ela continuar ignorando totalmente, e com frequência, suas
investidas em discipliná-la, convém busca ajuda de um bom conselheiro cristão.
e) O dramático: É a criança que dá a
impressão de sofrer intensamente com as repreensões ou limitações. Cai em
prantos, joga-se no chão, arma a maior cena quando chega a hora de dormir. O
objetivo é intimidar os pais que, por pena ou constrangimento, acabam por
desistir de enfrentar o escândalo e sucumbem aos seus desejos.
O que não funciona com ele: Fazer escândalo. Claro que é muito difícil
manter a calma diante de uma criança se debulhando em lágrimas, no auge de um
ataque histérico. Mas demonstrar descontrole e irritação com a mesma
intensidade que ela, estará lhe ensinando que essa é, de fato, a forma correta
de se comportar em situações de conflito.
O que funciona: Falar baixo, de maneira objetiva, e com muita
convicção. Muitas vezes é difícil manter a serenidade diante das cenas que a
criança apronta. Algumas vezes a criança precisa de um tempo para se acalmar e
perceber que seu escândalo não está surtindo efeito. Conhecer com profundidade
o perfil e as características dos filhos, constituem-se firmes fundamentos para
que os pais compreendam melhor, e conduzam com maior habilidade a criação dos
seus filhos. Lembrando que, criação de filhos é conhecer a natureza com
profundidade e desenvolver potencialidades.
Divulgação:
www.escolabiblicaecb.com | Fonte:
O Obreiro. Ano 23 – N° 15. Pág. 39 | Artigo: Pr. Judson Santos