
Definição: Termo
derivado do verbo grego hermêneuõ, “interpretar”
1.
Definição e escopo
A hermenêutica pode ser
definida, sumariamente, como a teoria da interpretação. Tradicionalmente, e até
bem recentemente, entendia-se a hermenêutica como estudo das regras ou
princípios para a interpretação de textos específicos. Essa definição, no
entanto, é estrita.
Primeiramente,
porque a hermenêutica diz respeito não somente à interpretação de textos, mas também
ã interpretação e entendimento de qualquer ato de comunicação, quer escrito,
quer oral, quer verbal ou quer não verbal (como símbolos ou atos simbólicos).
A hermenêutica bíblica, por exemplo,
é uma área específica, relativa à interpretação, ao entendimento e à adequação
de textos das Escrituras.
Em segundo lugar, os
estudiosos não mais se satisfazem, falando de hermenêutica, em se referir a
regras para a interpretação de textos, pois isso implicaria que o entendimento pudesse
ser gerado meramente pela simples aplicação mecânica de princípios. A
hermenêutica, na verdade, levanta questões anteriores e mais fundamentais a
respeito da real natureza da linguagem, do significado, da comunicação e do entendimento.
O assunto envolve, desse modo,
um exame da totalidade do processo interpretativo. Isso levanta questões
relativas a filosofia da linguagem, teorias do significado, teoria literária e
semiótica (teoria dos sinais), assim como questões na hermenêutica bíblica que
também são formuladas em estudos bíblicos e na teologia cristã.
A hermenêutica não é vista mais,
portanto, como simples ferramenta suplementar que assegure uma interpretação
“correta”, mas, sim, como uma reflexão profunda sobre a base real e o propósito
da interpretação e daquilo que se decidiu que seria, primacialmente, uma
interpretação “correta”.
Na verdade, se nos referirmos
a uma interpretação como “correta”, “produtiva”, “válida” ou “responsável”, permanece,
de todo modo, a questão hermenêutica. O primeiro passo, assim, é inquirir a
respeito das condições sob as quais qualquer espécie de interpretação seja possível
ou apropriada para determinados propósitos de leitura, escrita ou entendimento.
2.
Principais questões na história da hermenêutica bíblica tradicional Período
propriamente bíblico.
O termo “hermenêutica”
apareceu provavelmente pela primeira vez como referência à área de um assunto da
obra Hermeneutica Sacra [Interpretação sagrada], de J. C. Dannhauer
(Estrasburgo, 1654). Mas a reflexão a respeito da interpretação e do processo
interpretativo vem desde muito antes, da Antiguidade.
A interpretação começa com a
própria Bíblia, quando quer que tradições ou escritos mais antigos tenham sido
revistos a partir de pontos de vista posteriores. Jesus interpreta sua morte de
acordo com as Escrituras do AT, mas interpreta o AT em face de sua própria obra
(Lc 24.25-27; gr. diermêneusen, “interpretado”): Ele interpreta Is 61.1,2, por
exemplo, em termos de seu presente ministério (Lc 4.21).
Alguns estudiosos veem um
paralelo entre essa espécie de “cumprimento” das profecias do AT no NT e as
chamadas interpretações pêsher dos manuscritos do mar Morto, que releem
certas passagens do AT em termos de experiência presente ou iminente da
comunidade de Qumram. As aplicações atuais de textos anteriores é uma questão constante
na hermenêutica. No judaísmo rabínico, é o termo midrash que, de um modo mais
amplo, representa “interpretação”. Atribui-se ao rabi Hillel a formulação de
sete “regras” básicas (middoth) para a interpretação, embora sua aplicabilidade
seja estritamente limitada: em sua maior parte, referem-se a comparações e
inferências lógicas.
Interpretação alegórica e tipologia.
A teoria e a prática de interpretação alegórica remontam aos tempos
pré-cristãos. Muitos filósofos estoicos respeitaram Homero como um texto
clássico, mas ficaram constrangidos pelas coisas grosseiras e absurdas
existentes nas histórias de deuses e deusas da antiga religião grega
politeísta.
Alguns intérpretes da tradição
estoica e platônica reduziram então esse constrangimento interpretando as
personagens e atividades desses deuses e deusas como qualidades humanas ou
elementos da natureza.
As fábulas protagonizadas por
Apoio, Poseidon e Hera, por exemplo, poderiam ser, assim, lidas como narrativas
de interações entre o Sol, a água e o ar. Platão fala de um significado situado
abaixo (hyponoia) da superfície do texto, a que muitos escritores do século I,
passam a chamar de alegoria.
A partir do pensamento grego,
esse método de ler interpretativamente o texto se espalharia para o meio judaico.
Fílon, escrevendo como judeu que busca recomendar a fé judaica aos gregos e
romanos cultos, usa da interpretação alegórica como instrumento para fazer uma nova
leitura de passagens nos primeiros capítulos de Gênesis, que considerava
constrangedoramente antropomórficos, ou passagens em Levítico que descrevem em minúcias
um sacrifício animal. O método fora estabelecido, portanto, nos meios judaico e
grego antes de seu desenvolvimento na Igreja cristã.
3.
O significado primário e gramatical da Bíblia
Mas Lutero afirmava que o significado
primário e gramatical da Bíblia era claro (claritas Scripturae), e não
obscuro, enquanto Calvino insistia que o significado de uma passagem era único
(simplex), em vez de múltiplo. De modo nenhum, pretenderam sugerir que a
hermenêutica fosse desnecessária. A questão era justamente o contrário.
Lutero argumentou que o
conhecimento bíblico era suficientemente acessível para produzir resultados positivos
quando aplicadas todas as ferramentas apropriadas de linguagem e literatura.
Quanto ao significado “único” de Calvino, era aquele que poderia ser recuperado
pela pesquisa histórica, linguística e contextual. Nenhum termo deve ser
retirado do contexto do debate da Reforma para desvalorizar a necessidade da
hermenêutica.