Jesus nos chama para amar o
Senhor, nosso Deus, de todo o nosso coração, de todo o nosso entendimento e com
toda a nossa força (Mc 12.33), ou seja, devemos servi-lo com tudo o que somos.
Dessa forma, é pertinente entendermos de que forma nossa mente está relacionada
à vida espiritual e ao comportamento humano como um todo.
LENDO FILIPENSES 4.4-9
“Regozijai-vos sempre no Senhor; outra vez digo, regozijai-vos. Seja a
vossa equidade notória a todos os homens. Perto está o SENHOR. Não estejais
inquietos por coisa alguma; antes as vossas petições sejam em tudo conhecidas
diante de Deus pela oração e súplica, com ação de graças. E a paz de Deus, que
excede todo o entendimento, guardará os vossos corações e os vossos sentimentos
em Cristo Jesus. Quanto ao mais, irmãos, tudo o que é verdadeiro, tudo o que é
honesto, tudo o que é justo, tudo o que é puro, tudo o que é amável, tudo o que
é de boa fama, se há alguma virtude, e se há algum louvor, nisso pensai. O que
também aprendestes, e recebestes, e ouvistes, e vistes em mim, isso fazei; e o
Deus de paz será convosco (ACF)”.
No pensamento paulino, o ser
humano é composto por uma dimensão corpórea e uma incorpórea. É um ser com
corpo (2 Co 4.10, 11; Cl 1.22), que raciocina e entende com a inteligência (1
Co 14.14-16) e com as emoções (Rm 12.15). As principais palavras empregadas
pelo apóstolo para expressar essas funções são corpo (soma), carne (sarx), coração (kardia), espírito (pneuma),
alma (psyche) e mente (nous). O objetivo não é explorar o uso
de cada um desses termos por Paulo e suas implicações teológicas, mas
simplesmente entender que esses elementos dependem uns dos outros para que o
ser humano desempenhe suas atividades, desenvolva seu caráter e decida seu
comportamento.
VEJA TAMBÉM:
Na passagem de Filipenses
4.4-9, o apóstolo Paulo apresenta pontos importantes do comportamento cristão
que deveriam ser trabalhados e desenvolvidos pelos filipenses. São abordadas
tanto a vida devocional do crente quanto a sua ética. Depositar o intelecto em
Cristo implica buscar a presença de Deus, desfrutar da paz divina, imitar e
praticar ações que criam hábitos e formam caráter. Esses conselhos são úteis
ainda hoje para nós, que vivemos numa sociedade cujos valores parecem exigir
ações justas e tolerantes por parte de seus cidadãos.
Os crentes da igreja de
Filipos viviam um momento de conflito pois suas crenças e práticas eram hostis
aos costumes romanos. A cidade de Filipos era uma colônia romana com
aproximadamente 10 mil habitantes, localizada na Macedônia. A influência romana
se dava sobretudo pelas instituições, a influência religiosa principalmente por
meio do culto ao imperador. A carta aos filipenses não menciona diretamente um
problema da igreja (Fp 1.27-30), mas podemos notar que o apóstolo os encoraja a
manter a alegria e a comunhão, mesmo num contexto de dificuldades, porque eles
estão em Cristo.
Na passagem em questão, o
apóstolo fala sobre alegrar-se (v. 4), viver bem em comunidade (v. 5) e seguir
o que é excelente e louvável (v. 8). Esse padrão de vida era desejado por
qualquer pessoa - judeu, romano e cristão; então, qual o diferencial que Paulo
apresenta nessa passagem em relação ao que os filósofos e pensadores não
faziam?
A alegria de que Paulo fala
está no Senhor. O apóstolo enfatiza aos filipenses que eles se regozijem no
Senhor (v. 4). No capítulo 1 de Filipenses, Paulo escreveu sobre sua alegria,
mesmo estando encarcerado e sabendo dos pregadores mal-intencionados (1.18). No
capítulo 3, Paulo desejava que os filipenses o imitassem e se alegrassem
também, porque "a nossa cidade está nos céus, donde também esperamos o
Salvador" (3.20b).
A alegria do cristão se
mostra como a resposta ao reconhecimento da presença de Deus mesmo quando a
situação é de sofrimento ou problema. Gordon Fee, em seu comentário sobre a
carta aos Filipenses, explica que não se trata de uma alegria temporal, mas de
uma alegria fundamentada no relacionamento da pessoa com Deus; é expressão da
qualidade de uma profunda vida espiritual. A alegria de que Paulo fala,
portanto, deve ser alvo do crente, algo que se deve buscar na presença do
Senhor.
Em seguida, Paulo escreve
sobre a tolerância que as pessoas precisam ter umas com as outras (v. 5). De
difícil tradução, a ARC traduziu tolerância por "equidade"; a NAA,
por "modera ção". Gordon Fee explica que o termo se
refere ao modo gentil como Deus e os nobres tratam os outros. Segundo Paulo,
vemos que o tratamento que se dá aos outros importa para Deus. No contexto
social dos filipenses, em que a hostilidade religiosa era uma realidade,
importava que os cristãos soubessem reagir às contrariedades, tratando as
pessoas com gentileza.
Até então, aparecem duas
expressões externas daqueles que estão em Cristo: a alegria e a moderação.
A experiência incorpórea se mostra pelo agir do corpo, no modo como o cristão
se comporta. O apóstolo Paulo recomenda que assim devem agir aqueles que servem
ao Senhor, ou seja, alegrar-se e ser moderado resulta de um aprendizado da vida
cristã. As pessoas de fora da igreja olhariam para os crentes filipenses e
testemunhariam um comportamento que contrariava a circunstância de aflição.
"O Senhor está
perto" (v. 5b). Essa expressão parece deslocada no meio da passagem,
podendo estar relacionada aos que se alegram e tratam os outros com moderação,
ou aos que estão preocupados. Assim, damos uma dupla leitura, podendo indicar
tanto uma esperança escatológica, pois o apóstolo tem em vista o Dia de Cristo
(1.6, 10; 3.20), quanto o tempo presente, pois o Senhor está perto daqueles que
o invocam (Sl 145.18). Por meio da oração e da súplica (v. 6), Paulo explica
que os filipenses podem levar tudo a Deus. Ou seja, a maneira de lidar com o
sofrimento e dificuldades da vida é pelo relacionamento e pela conversa franca
que se estabelece com Deus.
Para quem está em Cristo,
não há motivo para preocupação. Craig Keener, em A mente do Espírito, ressalta
que "a alternativa de Paulo para a preocupação não consiste em tentar
ansiosamente suprimi-la, mas em reconhecer as necessidades diante de Deus e
entregá-las a ele" (p. 312). Num mundo como o nosso, no qual muitas
pessoas sofrem por ansiedade e o mercado rapidamente procura ofertar produtos
que atendam a demanda, serve para nós a recomendação do apóstolo Paulo dada aos
filipenses para que o receio não seja ignorado, mas sim entregue ao Senhor por
meio da oração.
A oração e a súplica, nessa passagem, revelam-se práticas que devem
ser constantes na vida do cristão. O apóstolo Paulo acrescenta que são
acompanhadas de ações de graças. A expressão de alegria acompanhada de oração
aparece nos salmos; é exemplo de como essas práticas tomam forma no dia a dia
(Sl 64.10; 68.3; 95.2; 96; 98.4). Além disso, ao mesmo tempo que nos dirigimos
ao Senhor com os problemas, também agradecemos. Encontramos a oração dos
momentos de sofrimento nos salmos de lamento (Sl 39, 42, 109, 142, etc.), em
que lamentamos as tribulações não para reclamar da vida, mas para louvar a Deus
pela sua grandeza e misericórdia, agradecendo de antemão pela resposta da
súplica. Isso revela a confiança que temos no poder de Deus para intervir e
cuidar de cada servo, e nos encoraja a passar pela situação difícil. Essa
postura de entregar-se ao Senhor, portanto, é reconhecimento da soberania
divina.
Com essa firme confiança em Deus, vem a
paz. A
paz de Deus na vida do cristão é o que guarda seu coração e sua mente (Fp 4.7).
Enquanto o crente deve buscar a alegria e a moderação e dedicar-se à oração, a
paz divina lhe é dada. A paz de Deus na Bíblia aparece no sentido de completude
(1 Sm 25.6; Sl 122.6; Jr 29.7); não significa ausência de conflito.
O apóstolo Paulo escreve
sobre uma paz que ultrapassa a compreensão humana, é algo que somente Deus pode
dar, é uma experiência íntima do cristão. Isso significa dizer que Deus cuida
da pessoa por inteiro, pois é a paz divina que guarda o coração, de onde
"procedem as fontes da vida" (Pv 4.23), e também a mente, que é a
faculdade de processar o pensamento (2 Co 3.14; 4.4).
O sentido de "guardar" é
militar. A
mesma palavra aparece em 2 Coríntios 11.32, "manter guarda", e em
Gálatas 3.23, "estar sob tutela". Tendo em vista a situação da cidade
de Filipos, Gordon Fee aponta para o contraste entre a paz que provém de Deus e
a força coerciva que guarda os cidadãos em nome da pax romana. Ou seja, o
apóstolo Paulo está diferenciando o senhorio de Deus e o senhorio de César.
A maneira pela qual a paz de
Deus acontece está no versículo 8. Ao entregar o intelecto e as emoções a
Cristo, os hábitos e os pensamentos se voltam ao que é verdadeiro, honesto,
justo, puro, amável e de boa fama. Primeiro, o apóstolo Paulo explica
genericamente as virtudes que pertencem à linguagem moral do mundo
greco-romano. As quatro virtudes cardeais descritas na República, de Platão
(IV, 428-430,433) são prudência/sabedoria, coragem, temperança e justiça. Os
antigos já exortavam as pessoas a pensarem nas coisas boas. A virtude era
entendida como a capacidade de realizar determinada tarefa, e era necessário
tê-la para ser feliz e livre. Assim, a lista apresentada pelo apóstolo Paulo no
versículo 8 chama atenção para o que é oferecido de bom na cultura dos
filipenses.
No entanto, há uma
diferença: os filipenses deveriam, primeiro, identificar as coisas que são
verdadeiras, honestas, justas, puras, amáveis e de boa fama, para, então, entre
estas coisas, pensar com cautela no que há virtude e no que há louvor. Em
seguida, o critério de avaliação é ter por referência a vida de Paulo (v. 9),
aquilo que o apóstolo os ensina e a maneira como ele vive (Fp 1.3-5, 20, 27-30)
. "Porque para mim o viver é Cristo, e o morrer é ganho" (Fp 1.21),
ou seja, os filipenses deveriam imitar o apóstolo da mesma maneira que Paulo
seguia a cruz de Cristo (Fp 3.17).
O USO DO INTELECTO E A BATALHA ESPIRITUAL
A batalha espiritual é o
ataque do inimigo contra os crentes, por isso a defensiva deve estar preparada.
Como novas criaturas que se dedicam à santificação e têm sua identidade moldada
pela prática das virtudes, aqueles que estão em Cristo se aperfeiçoam a cada
dia em conhecimento intelectual, emocional e espiritual contra as adversidades.
Na passagem de Filipenses 4.4-9, vemos que para a vida cristã é significante
praticar a alegria e a moderação, orar, agradecer e refletir cuidadosamente
sobre as virtudes. Portanto, a redenção da cruz redime o ser humano do pecado e
garante que a transformação do seu caráter aconteça continuamente. O resultado
é experimentar a paz de Deus e a comunhão uns com os outros.
Num mundo em que a batalha
espiritual é reconhecida pelo medo e pela ansiedade que as pessoas sentem, a
mensagem de Paulo aos filipenses se torna necessária e eficaz. A paz que só o
Senhor pode oferecer acompanha a mente santificada para não cair nas armadilhas
da insegurança.
Fonte: SOARES,
Esequias/ SOARES, Daniele. Batalha Espiritual. O povo de Deus e a Guerra Contra
as Potestades do Mal. 1ª edição de 2018 - CPAD