Que acontece com a alma? A morte física dá
fim à sua vida, ou ela continuará a existir e a viver após a morte? Sempre foi
firme convicção da igreja de Jesus Cristo que a alma continua a viver depois da
sua separação do corpo. Esta doutrina da imortalidade da alma requer breve
consideração nesta altura.
I. DIFERENTES CONOTAÇÕES DO TERMO
“IMORTALIDADE”.
Em uma discussão da doutrina da imortalidade, deve-se ter em mente que o termo “imortalidade” nem sempre é empregado no mesmo sentido. São indispensáveis certas distinções para evitar confusão.
1. No
sentido mais absoluto da palavra, só se atribui imortalidade a Deus.
Paulo fala dele em 1 Tm 6.15, 16 como o “bendito e único
Soberano, o Rei dos reis e Senhor dos senhores: o único que possui
imortalidade”. Isto não significa que nenhuma de Suas criaturas seja
imortal nalgum sentido da palavra. Entendida naquele sentido irrestrito, esta
palavra de Paulo ensinaria também que os anjos não são imortais, e certamente
não é esta a intenção do apostolo.
O sentido evidente da sua afirmação é que Deus é o único ser
que possui imortalidade “como uma qualidade original, eterna e necessária”.
Seja qual for a imortalidade que se possa atribuir a quaisquer criaturas suas,
é dependente da vontade divina, é-lhes conferida, e, portanto, teve um começo.
Deus, por outro lado, é necessariamente livre de todas as limitações temporais.
2. A
imortalidade, no sentido de uma existência continuada ou sem fim, também é atribuída a todos os espíritos, a alma humana
inclusive.
Uma das doutrinas da religião ou filosofia natural é que,
quando o corpo é dissolvido, a alma não comparte a sua dissolução, mas retém a
sua identidade como um ser individual. Esta idéia da imortalidade da alma está
em perfeita harmonia com o que a Bíblia ensina acerca do homem, mas a Bíblia, a
religião e a teologia não estão interessadas primariamente nesta imortalidade
puramente quantitativa e incolor – a pura e simples existência contínua da
alma.
3. Ainda, o
termo “imortalidade” é empregado na linguagem teológica para designar o estado
do homem no qual ele está inteiramente livre das sementes da decadência e da
morte. Neste sentido da palavra, o homem era
imortal antes da Queda. Esse estado evidentemente não excluía a possibilidade
do homem se tornar sujeito à morte. Embora o homem, no estado de retidão, não
estivesse sujeito à morte, estava propenso a essa sujeição. Era inteiramente
possível que, mediante o pecado, ele se tornasse sujeito à lei da morte; e o
fato é que ele caiu vítima dele.
4.
Finalmente, a palavra “imortalidade” designa,
especialmente na linguagem escatológica, o estado do homem no qual ele é
impérvio à morte e não tem a mínima possibilidade de se tornar sua presa. Neste
supremo sentido da palavra, o homem não era imortal em virtude da sua criação,
apesar de ter sido criado à imagem de Deus. Esta imortalidade seria o
resultado, se Adão tivesse cumprido a condição da aliança das obras, mas agora
só pode resultar da obra de redenção, quando se completar na consumação.
II. TESTEMUNHO DA REVELAÇÃO GERAL QUANTO À
IMORTALIDADE DA ALMA.
A pergunta de Jó, “Morrendo
o homem porventura tornará a viver?” (Jó 14.14) é de interesse perene. E com
ela sempre se repete a pergunta se os mortos voltarão a viver. A resposta a
essa indagação sempre foi afirmativa. Conquanto os evolucionistas não possam
admitir que a fé na imortalidade da alma é uma qualidade original do homem, não
se pode negar que esta fé é pouco menos que universal e se encontra até nas
formas inferiores de religião. Sob a influência do materialismo, muitos se
inclinam a duvidar, e até a negar a vida futura do homem.
Todavia, esta atitude
negativa não é a que prevalece. Num recente simpósio sobre “imortalidade”, que
inclui as idéias de cerca de cem homens representativos, as opiniões são
praticamente unânimes em favor de uma vida futura.
III.
OS ARGUMENTOS HISTÓRICOS E FILOSÓFICOS
Os argumentos históricos e
filosóficos em prol da imortalidade da alma não são absolutamente conclusivos,
mas certamente são testemunhos importantes da existência continuada, pessoal e
consciente do homem. São os seguintes:
1. ARGUMENTO HISTÓRICO.
O consensus gentium (consenso dos povos) é tão forte
com relação à imortalidade da alma, como com referencia à existência de Deus.
Sempre houve eruditos descrentes que negavam a existência permanente do homem,
mas em geral se pode dizer que a crença na imortalidade da alma se acha em
todas as raças e nações, não importa seu estágio de civilização. Vê-se que uma
noção tão comum só pode ser considerada como um instinto natural ou como algo
envolvido na própria constituição da natureza humana.
2. ARGUMENTO METAFÍSICO.
2. ARGUMENTO METAFÍSICO.
Este argumento se baseia na simplicidade (ontológica) da alma
humana, e desta se infere a sua indissolubilidade. Na morte a matéria se
dissolve em suas partes. Mas a alma, como uma entidade espiritual, não se
compõe de várias partes, e, portanto, é incapaz de divisão ou dissolução.
Conseqüentemente, a decomposição do corpo não leva consigo a destruição da
alma. Mesmo quando aquele perece, esta permanece intacta. Este argumento é
muito antigo, e já utilizado por Platão.
3. ARGUMENTO TEOLÓGICO.
A impressão que se tem é que os seres humanos são dotados de
capacidades quase infinitas que nunca se desenvolvem plenamente nesta vida. É
como se, na maioria, os homens mal tenham começado a realizar algumas das
grandes coisas às quais aspiram. Há idéias que não se concretizam, apetites e
desejos não satisfeitos nesta existência, anseios e aspirações frustrados. Pois
bem, argumenta-se que Deus não teria conferido aos homens essas habilidades e
talentos só para faze-los fracassar em suas realizações, não teria dado aos
corações esses desejos e aspirações só para decepciona-los. Ele deve ter
providenciado uma existência futura, na qual a vida humana alcançara fruição
real.
4. ARGUMENTO MORAL.
A consciência humana atesta a existência de um Governante do
universo que exerce justiça. Todavia, as exigências da justiça não são
satisfeitas na presente vida. Há uma distribuição desigual e aparentemente
injusta do bem e do mal. Muitas vezes os ímpios prosperam, aumentam suas
riquezas, e gozam abundantemente dos prazeres da vida, enquanto que,
freqüentemente, os justos vivem na pobreza, enfrentam penosos e humilhantes
contratempos e padecem muitas aflições. Daí, deverá haver um futuro estado de
existência no qual a justiça reinará suprema e as desigualdades do presente
serão retificadas.
IV. TESTEMUNHO DA REVELAÇÃO ESPECIAL QUANTO
À IMORTALIDADE DA ALMA.
As provas históricas e
filosóficas da sobrevivência da alma não são absolutamente demonstrativas e, portanto,
a ninguém compelem à crença. Para maior segurança nesta matéria, pe necessário
dirigir os olhos da fé para a Escritura. Aqui também devemos firmar-nos na voz
da autoridade.
Ora, a posição da Escritura
com respeito a esta questão pode, a princípio, parecer um tanto dúbia. Ela fala
de Deus como o único que tem imortalidade (1 Tm 6.15), e nunca afirma isso a
respeito do homem. Não há nenhuma menção explícita da imortalidade da alma, e
muito menos qualquer tentativa de provar isso de maneira formal. Daí, os
russelitas ou os da aurora do milênio freqüentemente desafiam os teólogos a
indicarem uma única passagem em que a Bíblia ensine que a alma do homem é
imortal. Mas, mesmo que a Bíblia não afirme explicitamente que a alma do homem
é imortal, e não procure provar isso de maneira formal, como tampouco procura
apresentar prova formal da existência de Deus, não significa que a Escritura o
negue ou o contradite ou o ignore. Ela pressupõe claramente em muitas passagens
que o homem continua sua existência consciente após a morte. De fato, ela trata
da verdade da imortalidade do homem de modo muito parecido ao modo como trata
de existência de Deus, isto é, ela a pressupõe como um postulado incontestável.
1. A DOUTRINA DA IMORTALIDADE NO VELHO TESTAMENTO.
Repetidamente se assevera que o Velho Testamento,
particularmente o Pentateuco, não ensina, de modo nenhum, a imortalidade da
alma. Ora, é mais que certo que essa grande verdade é revelada com menor
clareza no Velho Testamento que no Novo; mas os fatos a respeito não autorizam
a asserção de que ela está completamente ausente do Velho Testamento.
É um fato bem conhecido e geralmente reconhecido que a
revelação de Deus na Escritura é progressiva e aumenta gradativamente em
clareza; e é evidente que a doutrina da imortalidade, no sentido de uma vida
eterna e bem-aventurada, só poderia ser revelada em todos os seus aspectos
depois da ressurreição de Jesus Cristo, que “trouxe à luz a vida e a
imortalidade” 2 Tm 1.10. Mas, embora tudo isso seja verdade, não se pode negar
que o Velho Testamento dá a entender a existência continuada e consciente do
homem, quer no sentido de uma pura imortalidade ou sobrevivência da alma, quer
no de uma bem-aventurada vida futura. Isso está implícito:
a. Em sua doutrina
de Deus e do homem.
As próprias raízes da esperança de Israel quanto à
imortalidade estavam e sua crença em Deus como o seu Criador e Redentor, o Deus
da Aliança, que nunca falharia com ele. Ele era para os israelitas o Deus vivo,
eterno e fiel, em cuja comunhão eles encontravam alegria, vida, paz e perfeita
satisfação. Teriam eles palpitado por Ele como palpitaram, ter-se-iam confiado
a Ele completamente, na vida e na morte, e O teriam exaltado em seus cânticos
como sua porção para sempre, se achassem que tudo que Ele lhes oferecia era
apenas uma breve fração de tempo?
Como poderiam auferir real consolo da redenção prometida por
Deus, se considerassem a morte como o fim de sua existência?
Além disso, o Velho Testamento descreve o homem como criado à
imagem de Deus, criado para a vida, e não para a mortalidade. Em distinção dos
animais irracionais, ele possui uma vida que transcende o tempo e já contém em
si uma garantia de imortalidade. Foi criado para comunhão com Deus, é pouco
menor do que os anjos, e Deus pôs a eternidade no seu coração, Ec 3.11.
b. Em sua doutrina do sheol.
O Velho Testamento nos ensina que os mortos descem ao sheol.
Mas, seja qual for a interpretação válida do sheol veterotestamentário,
e o que quer que se possa dizer da condição dos que descem para esse lugar,
certamente este é descrito como um estado de existência mais ou menos
consciente, embora não de bem-aventurança. O homem só entra no estado de
perfeita bem-aventurança se libertado do sheol. Nesta libertação
chegamos ao verdadeiro âmago da esperança veterotestamentária de uma
imortalidade bem-aventurada. Isso é ensinado claramente em diversas passagens,
como Sl 16.10; 49.14, 15.
c. Em seus
ensinamentos a respeito da ressurreição dos mortos.
Esta doutrina não é ensinada explicitamente nos livros mais
antigos do Velho Testamento. Contudo, Cristo assinala que ela foi ensinada
implicitamente na declaração, “Eu sou o Deus de Abraão, o Deus de Isaque e o
Deus de Jacó”, Mt 22.32, cf. Êx 3.6, e repreende os judeus por não
compreenderem as Escrituras sobre este ponto. Alem disso, a doutrina da
ressurreição é ensinada explicitamente em passagens como Jó 19.23-27; Sl
16.9-11, 17.15; 49.15; 73.24; Is 26.19; Dn 12.2.
d. Em certas
passagens notáveis do Velho Testamento, que falam da alegria do crente em
comunhão com Deus depois da morte.
Estas são, no mais importante, idênticas às passagens citadas
no item anterior, quais sejam Jó 19.25-27; Sl 16.9-11; 17.15; 73.23, 24, 26.
elas exalam a confiante expectação de venturas na presença de Jeová.**
V. A
DOUTRINA DA IMORTALIDADE NO NOVO TESTAMENTO
No Novo Testamento, depois que Cristo trouxe à luz a vida e a
imortalidade, naturalmente as provas de multiplicam. Outra vez as passagens que
as contêm podem ser divididas em várias classes como referentes:
a. À sobrevivência da alma. Ensina-se claramente uma
existência continuada dos justos e dos ímpios.
Que as almas dos crentes sobreviverão, vê-se de passagens
como Mt 10.28; Lc 23.43; Jo 11.25, 26; 14.3; 2 Co 5.1; e várias outras
passagens evidenciam muito bem que se pode dizer a mesma coisa das almas dos
ímpios, Mt 11.21-24; 12.41; Rm 2.5-11; 2 Co 5.10.
b. À ressurreição pela qual o corpo também é levado a
participar da existência futura.
Para os crente, a ressurreição significa a redenção do corpo
e a entrada na perfeita vida de comunhão com Deus, na plena bem-aventurança da
imortalidade. Esta ressurreição é ensinada em Lc 20.35, 36; Jo 5.25-29; 1 Co
15; 1 Ts 4.16; Fp 3.21, e noutras passagens. Para os ímpios, a ressurreição
também significará uma renovada e continuada existência do corpo, mas isto
dificilmente poderá chamar-se vida. A Escritura a denomina morte eterna. A
ressurreição dos ímpios é mencionada em Jo 5.29; At 24.15; Ap 20.12-15.
c. À vida bem-aventurada dos crentes, na comunhão com
Deus.
Há numerosas passagens no Novo Testamento que acentuam o fato
de que a imortalidade dos crentes não é uma simples existência sem fim, mas uma
encantadora vida de felicidade na comunhão com Deus e com Jesus Cristo, a pela
fruição da vida que é implantada na alma enquanto ainda na terra. Dá-se clara
ênfase a isso em passagens como Mt 13.43; 25.34; Rm 2.7, 10; 1 Co 15.49; Fp
3.21; 2 Tm 4.8; Ap 21.4; 22.3, 4.
VI. OBJEÇÕES À DOUTRINA DA IMORTALIDADE
PESSOAL E SEUS MODERNOS SUBSTITUTOS
1. A PRINCIPAL OBJEÇÃO.
A crença na imortalidade da alma sofreu declínio por algum
tempo, sob a influencia de uma filosofia materialista. O principal argumento
contra ela foi forjado nas oficinas da psicologia fisiológica, e corre mais ou
menos como segue: A mente ou a alma não tem existência substancial
independente, mas é simples produto ou função da atividade cerebral. O cérebro
humano é a causa produtora dos fenômenos mentais, exatamente como o fígado é a
causa produtora da bílis. A função não pode persistir quando o órgão decai.
Quando o cérebro deixa de agir, o fluxo da vida mental pára.
2. SUBSTITUTOS DA DOUTRINA DA IMORTALIDADE PESSOAL.
O desejo de imortalidade está implantado tão profundamente na
alma humana que, mesmo os que aceitam os ditames de uma filosofia materialista,
procuram algum tipo de substituto para a rejeitada noção da imortalidade
pessoal da alma. Sua esperança quanto ao futuro assume uma das seguintes
formas:
a. Imortalidade
racial.
Há os que se consolam com a ideia de que o individuo
continuará a viver nesta terra em sua posteridade, em seus filhos e netos, até
gerações intermináveis. O individuo busca compensação para a sua falta de
esperança numa imortalidade pessoal na noção de que ele contribui com sua parte
para a vida da raça e continuará vivendo nela. Mas a ideia de que o homem
continua a viver em sua progênie, seja qual for a porção de verdade que
contenha, dificilmente poderá servir de substituto da doutrina da imortalidade
pessoal. Certamente não faz justiça aos dados da Escritura, e não satisfaz aos
anseios mais profundos do coração humano.
b. Imortalidade
de comemoração.
De acordo com o positivismo, esta é a única imortalidade que
devemos desejar e buscar. Cada qual deve ter em vista fazer alguma coisa para
estabelecer um nome para si mesmo e que passe para os anais da história. Se o
fizer, continuará a viver nos corações e mentes de uma posteridade agradecida.
Isso também fica aquém da imortalidade pessoal que a Escritura nos leva a esperar.
Além disso, é uma imortalidade da qual uns poucos participam. Os nomes da
maioria dos homens não ficam registrados nas páginas da história, e muitos dos
que estão registrados nas páginas da história, e muitos dos que estão
registrados logo são esquecidos. E numa grande extensão se pode dizer que os
melhores e os piores participam igualmente dela.
c. Imortalidade
de influencia.
Esta se relaciona de perto com a imediatamente anterior. Se o
homem deixar sua marca na vida e realizar alguma coisa de valor duradouro, sua
influencia continuará por muito tempo depois de sua partida. Jesus e Paulo,
Agostinho e Tomaz de Aquino, Lutero e Calvino – todos eles estão bem vivos na
influencia que até hoje exercem. Embora isto seja perfeitamente verdadeiro,
esta imortalidade de influencia é apenas um pobre substituto da imortalidade
pessoal. Todas as objeções levantadas contra a imortalidade de comemoração
aplicam também a este caso.
3. RECUPERAÇÃO DA FÉ NA IMORTALIDADE.
No presente, a interpretação materialista do universo está
dando caminho a uma interpretação mais espiritual:
e o resultado é que a fé na imortalidade pessoal voltou a
obter apoio. Embora o doutor William James subscreva a fórmula, “O pensamento é
uma função do cérebro”, nega que isto nos force logicamente a descrer da
doutrina da imortalidade. Ele sustenta que esta conclusão dos cientistas se
baseia na equivocada noção de que a função da qual aquela fórmula fala é
necessariamente uma função produtiva, e assinala que também pode ser uma
função permissiva ou transmissiva.
O cérebro pode simplesmente transmitir, e na transmissão da
cor, o pensamento, justamente como um vidro colorido, um prisma ou uma lente
refratária, pode transmitir luz e ao mesmo tempo pode determinar sua cor e
direção. A luz existe independentemente do vidro ou da lente; assim também o
pensamento existe independentemente do cérebro. James chega à conclusão de que,
pela estrita lógica, é possível crer na imortalidade. Alguns evolucionistas
agora baseiam a doutrina da imortalidade condicional na luta pela existência. E
cientistas como William James, Sir Oliver Lodge e James H. Hyslop, atribuem
grande significação às supostas comunicações com os mortos. Com base nos
fenômenos psíquicos, o primeiro inclinou-se a crer na imortalidade, enquanto que
os outros dois a abraçaram como um fato estabelecido.
Fonte: Escatologia Bíblica
Divulgação: ECB