Em todo sacrifício levítico,
subjaz uma teologia que tem, em sua natureza, uma soteriologia que nos remete,
de imediato, à morte vicária de Jesus Cristo. Sendo assim, precisamos descobrir
aquilo que não seria incorreto chamar de a mecânica teológica do holocausto.
1.
A consciência do pecado humano.
Quando um crente hebreu propunha-se
a oferecer um holocausto ao Senhor, a primeira coisa que lhe vinha ao coração
era a sua própria culpabilidade (Sl 51.5). Ele sabia que, em Adão, todos haviam
pecado; ninguém seria tido por inocente diante de Deus. Até mesmo o
recém-nascido, apesar de ainda não ter a experiência do pecado, já carregava,
em si, a essência da ofensa adâmica (Rm 3.23; 5.12).
Se a situação do peregrino é
tão desfavorável, o que fazer?
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Ele não poderia apresentar a
si próprio a Deus, pois não ignorava a pecaminosidade
que lhe ia na alma. Por isso, buscava num animal tenro, bom e geneticamente
perfeito (símbolo de um intermediário eficaz); uma ponte que o conduzisse a
Deus. Sem o saber, o penitente evocava perspectivamente, pela fé, ali, junto àquele
altar, o sacrifício do Senhor Jesus Cristo no Calvário.
O Filho de Deus haveria de
morrer, de fato, em favor de todos os filhos de Adão: pelos contemporâneos da
cruz, pelos que viriam a nascer e pelos que já haviam morrido.
2.
A consciência da justiça divina.
Já diante do altar, esse
mesmo crente sabia que, confrontado pela justiça de Deus, merecia apenas uma coisa: a morte; o salário mais adequado ao pecado adâmico. Nesse impasse,
a pergunta vinha-lhe à mente: “Como aplacar um Deus irado?”. Se, por um lado,
ele sabia que Deus é justo, por outro, não ignorava que a justiça divina jamais
deixava de vir acompanhada por um amor que, incompreensivelmente, se dá. Por
essa razão, apresentava ao Senhor a vítima do holocausto, como a rogar-lhe: “Nele, perdoa-me”. E, pela fé, era
não apenas perdoado, mas justificado imediatamente.
A justificação não é uma
doutrina exclusivamente apostólica; no âmbito profético, era já conhecida e
praticada junto ao trono divino. O salmista, ao discorrer sobre a ousada ação
de Fineias no episódio de Baal-Pedor, reconhece: “Isso lhe foi imputado por
justiça, de geração em geração, para sempre” (Sl 106.31, ARA).
No episódio narrado pelo
autor sagrado, observa-se que Fineias assim agiu porque fora movido por uma fé
incomum na santidade divina. E, por essa mesma fé, foi justificado. O mesmo
acontecia àquele que, crendo na justiça divina, apresentava-lhe um holocausto.
No ato da matança e da queima do animal, mostrava ele a Deus a sua confiança
num sacrifício vicário que alcançaria o mundo todo.
No ato do holocausto,
desfilava diante de Deus toda a soteriologia do Novo Testamento.
3.
A consciência da propiciação diante de Deus.
O que o crente hebreu mais
ansiava era tornar-se propício a Deus. Todavia, ninguém poderia fazê-lo por si
só, a não ser por meio de um intermediário, que fosse visto pelo justíssimo
Deus como alguém igualmente justo, santo, inocente e eficaz como salvador; o
próprio Filho de Deus.
Nos
tempos dos patriarcas, ainda não se tinha um retrato do Messias como hoje
encontramos nos Salmos e nos Profetas. Davi, em vários de seus cânticos,
descreveu a vida, a morte e a ressurreição de Jesus Cristo. Já Isaías, no
capítulo 53 de seu livro, pinta o Servo de Jeová em tons fortes e inapagáveis.
Ambos
os autores sagrados já não precisavam do holocausto para saber que o Filho de
Deus, ao vir a este mundo como homem, teria o mesmo destino do animal oferecido
a Deus numa oferta queimada. Eis porque o rei de Israel, numa evocação
messiânica, lembra a transitoriedade do holocausto na soteriologia messiânica:
“Sacrifícios e ofertas não quiseste; abriste os meus ouvidos; holocaustos e
ofertas pelo pecado não requeres” (Sl 40.6, ARA).
Davi,
como bom teólogo, sabia que o homem, para tornar-se propício diante de Deus,
carece não propriamente de um animal perfeito, mas de um perfeitíssimo
medianeiro. Já antevendo não apenas o Messias, mas também o Consolador, roga
ele a Jeová, depois de haver quebrantado duplamente a lei divina:
Esconde o rosto dos meus pecados
e apaga todas as minhas iniquidades. Cria em mim, ó Deus, um coração puro e
renova dentro de mim um espírito inabalável. Não me repulses da tua presença,
nem me retires o teu Santo Espírito. Restitui-me a alegria da tua salvação e sustenta-me
com um espírito voluntário. (Sl 51.9-12, ARA)
Observemos
que Davi, embora almejasse a aceitação de Deus, não lhe ofereceu um único
holocausto. Sua compreensão das coisas divinas ia além da pedagogia das
oferendas e dos sacrifícios. Naquele momento, ofertório algum, ainda que
duplamente cruento, ser-lhe-ia útil. Por essa razão, evocando implicitamente a
intermediação de Jesus Cristo, o Holocausto dos holocaustos, confessa sua
confiança no verdadeiro Mediador entre Deus e os homens: “Pois não te comprazes
em sacrifícios; do contrário, eu tos daria; e não te agradas de holocaustos.
Sacrifícios agradáveis a Deus são o espírito quebrantado; coração compungido e
contrito, não o desprezarás, ó Deus” (Sl 51.16,17, ARA).
Não
procuramos, aqui, ao evocar Davi e Isaías, invalidar o holocausto na compreensão
da soteriologia bíblica. Sem esse sacrifício, o profeta e o rei jamais viriam a
entender adequadamente a mecânica da redenção que Deus, em Jesus Cristo, nos
providenciara antes mesmo da fundação do mundo.
4.
A consciência de um sacrifício perfeito diante de Deus.
Assombrado pela justiça
divina, indaga o profeta:
Com
que me apresentarei ao SENHOR e me inclinarei ante o Deus excelso? Virei perante ele com holocaustos, com bezerros de um
ano? Agradar-se-á o SENHOR de milhares de carneiros, de dez mil ribeiros de
azeite? Darei o meu primogênito pela minha transgressão, o fruto do meu corpo,
pelo pecado da minha alma? Ele te declarou, ó homem, o que é bom e que é o que
o SENHOR pede de ti: que pratiques a justiça, e ames a misericórdia, e andes
humildemente com o teu Deus. (Mq 6.6-8 ARA)
Sim, indaga Miqueias: “Com
que me apresentarei ao SENHOR?”. Buscando a propiciação divina, o crente hebreu
poderia oferecer diversas coisas a Deus: bezerros, carneiros e azeite. Numa
instância já desesperada, não hesitaria em dar-lhe o próprio filho; o
primogênito da alma. Vejamos a inadequabilidade desses ofertórios. Iniciemos
por examinar a oferta que mais dor custaria a um pai.
Antes
de tudo, deixemos bastante claro, que Deus jamais exigiu sacrifícios humanos. A
razão é bastante simples. Não obstante o custo espiritual, moral e espiritual
que tal demanda acarretaria ao adorador, o seu efeito redentor e soteriológico
seria inútil perante a justiça divina. Se todos pecaram e carecem da glória de
Deus, quem estaria apto a morrer vicariamente por alguém? Um recém-nascido?
Embora
ainda inocente, já traz em si a semente do transgressão adâmica. Até mesmo os
três homens mais justos da História Sagrada não seriam capazes de se darem
vicária e salvificamente em favor dos transgressores, como o próprio Deus o
demonstra através do profeta Ezequiel:
Filho
do homem, quando uma terra pecar contra mim, cometendo graves transgressões,
estenderei a mão contra ela, e tornarei instável o sustento do pão, e enviarei
contra ela fome, e eliminarei dela homens e animais; ainda que estivessem no meio
dela estes três homens, Noé, Daniel e Jó, eles, pela sua justiça, salvariam
apenas a sua própria vida, diz o SENHOR Deus. (Ez 14.13,14, ARA).
No entanto, se o Senhor
Jesus Cristo estivesse nessa mesma cidade, Ele, em virtude de sua justiça
vicária, certamente morreria; ela, porém, seria poupada. Foi o que disse mui
sabiamente o sumo sacerdote Caifás: “Vós nada sabeis, nem considerais que vos
convém que morra um só homem pelo povo e que não venha a perecer toda a nação”
(Jo 11.49,50, ARA). Ao registrar o fato, o apóstolo João, com a sua
elevadíssima acuidade teológica, assim interpretou a alocução de Caifás: Ora,
ele não disse isto de si mesmo; mas, sendo sumo sacerdote naquele ano,
profetizou que Jesus estava para morrer pela nação e não somente pela nação,
mas também para reunir em um só corpo os filhos de Deus, que andam dispersos.
(Jo 11.51,52, ARA).
Inspirados por esse modelo
teológico, como explicaremos a experiência de Abraão ao ser instado pelo Senhor
a oferecer-lhe Isaque? O patriarca, como o melhor teólogo da época, depois de
Melquisedeque, sabia que, seja desta seja daquela forma, haveria de recobrar o
filho, pois tinha irrestrita fé na promessa divina. Mas, ainda que viesse a
imolar o seu querido unigênito, a morte deste poderia ser doxológica, mas
jamais soteriológica e redentora, porque Abraão já havia sido justificado ao
crer em Deus (Gn 15.6). No instante extremo da provação, o Senhor interveio,
não permitindo que o hebreu lhe imolasse o filho da promessa (Gn 22.11-13).
Vicariamente, o ser humano é ineficaz até para si mesmo. Se a nossa morte fosse
suficiente para salvar-nos, bastaríamos optar pelo suicídio, e a
nossa situação, diante de Deus, estaria resolvida de vez. O suicídio, todavia,
não tem qualquer eficácia remidora. Se assim fosse, Judas Iscariotes estaria
hoje no Paraíso junto ao Senhor Jesus. Mas sabemos que, perdendo-se ele, foi
para o seu próprio lugar.
Se a
morte do meu primogênito é ineficaz para tornar-me aceitável diante do Senhor,
o que lhe entregarei? Rios de azeite? O fruto da oliveira pode (e deve) ser
apresentado ao Senhor como dízimo e ação de graças, mas, soteriologicamente,
que eficácia tem? Afinal, não somos salvos pelas obras, mas pela fé em Jesus
Cristo. Logo, tais ofertas servem apenas evidenciar-nos a salvação; somos
salvos não pelas boas obras, mas à prática de obras boas, meritórias e que
mostrem, por intermédio delas, o nosso compromisso com o Pai Celeste.
Restam-nos,
agora, os bezerros de um ano e os carneiros tenros e bons. Tornar-nos-ão
propícios a Deus? Como símbolos e tipos são eficazes. Mas, vicariamente, não.
Se a simbologia e tipologia desses animais fossem recebidas pela fé, o adorador
não deixaria de ver, em cada um deles, o Cordeiro de Deus que tira o pecado do
mundo. Caso contrário, a morte desses bichos não passaria de um desperdício litúrgico,
um pesado encargo ao crente, um enfado ao sacerdote e um enojamento ao Senhor. O
adorador que, pela fé, oferecia um holocausto ao Senhor, demonstrava a eficácia
desse sacrifício, em sua vida, na prática da justiça, no exercício da misericórdia
e na vivência do amor divino em seu cotidiano. E, no final de tudo, veria
naquele bezerro ou naquele carneirinho, o Cordeiro de Deus.
Fonte:
ANDRADE de. Claudionor. Adoração, Santidade e Serviço. Os princípios de Deus
para a sua Igreja em Levítico 1ª edição:
Abril/2018 - CPAD