
(Leitura
Bíblica Indicada: 2 Sm 11.1-20)
I. SEGUNDO O CORAÇÃO DE DEUS
1. O Homem segundo o Coração
de Deus
Saul, por não obedecer à
Palavra do Senhor, é deixado de lado e então Deus escolhe Davi, o qual é declarado
em 1 Samuel 13.14 como um homem segundo o coração de Deus. Entendemos que o
homem que assumirá o lugar do rei Saul é descrito como aquele que iria agradar
ao Senhor. Seria superior ao rei que estava saindo porque seu coração estaria
nas mãos de Deus.
É dito em 1 Samuel 16.7 que
Deus olha para o coração, ou seja, Ele conhece o que realmente se passa no
íntimo de cada um de nós. Enquanto os seres humanos contemplam apenas a
exterioridade, a casca humana, o olhar divino perscruta o recôndito da alma humana
(1 Cr 28.9; Is 55.8; 2 Co 10.7; 1 Rs 8.39; Jr 11.20; 17.10; At 1.24). O que foi
supracitado na verdade revela um dos aspectos dos atributos divinos, a
onisciência, que, teologicamente, mostra que Deus conhece tudo. Para Ele não
existe oculto, segredo, surpresa. Ele simplesmente sabe de todas as coisas.
Ao falar que Davi seria o
homem segundo o coração de Deus, na verdade é porque o Senhor tinha
conhecimento do que estava lá no seu íntimo, no seu coração, suas qualidades
espirituais, as quais eram melhores que as de Saul.
No tocante à expressão “homem
segundo o coração de Deus”, isso não quer dizer que Davi fosse perfeito, um
humano sem defeitos, mas somente que ele faria cinco coisas: (1) procuraria
cumprir com a Palavra do Senhor; (2) iria cumprir bem o papel de um rei de
Israel, fazendo a vontade divina; (3) iria proceder conforme as normas divinas,
procurando conduzir Israel ao verdadeiro culto e adoração ao Senhor; (4) seu
trabalho seria segundo as normas divinas, ainda que houvesse falhas particulares
em sua vida; e (5) ainda que houvesse fracasso em sua vida, seria um exemplo
para os demais reis, na questão de procurar sempre proceder conforme o querer
de Deus.
2. O Davi Escolhido, mas
Humano
Não se pode negar o homem
extraordinário que foi Davi. Alguns teólogos e biblistas afirmam que
possivelmente não existe na Bíblia um homem tão honrado por Deus como ele. Por
meio de Davi é que o padrão para se mensurar outros reis ficou estabelecido.
Por meio dele é que a nação recebe a instrução de como cultuar e adorar a Deus
verdadeiramente.
Os que se voltam para os
salmos literários de Davi sentem alegria, alívio, gozo. Ademais, ele foi um
grande guerreiro, um líder singular. Assim, pode-se perguntar por que Davi se
tomou esse homem tão estimado nas Escrituras? Responder a essa pergunta não é
difícil, pois as páginas de sua história revelam os aspectos positivos que
marcaram sua vida:
(1) manifestava um amor
sincero para com Deus;
(2) valorizava a obra de
Deus;
(3) confiava em Deus e não se
deixava levar pelo povo ou pelas circunstâncias;
(4) postou-se sempre como
servo, ainda que fosse rei;
(5) esperou sempre em Deus e
não criou nenhuma campanha para tomar o trono de Saul; deixava a vingança nas
mãos de Deus; e
(6) Quando repreendido,
confessava suas culpas e aceitava as penalidades divinas. Embora fosse o homem
segundo o coração de Deus, Davi era humano. Por ser humano, tinha falhas. Era
positivo em muitas áreas da vida, mas, em outras, fracassava. Todavia, em
momento algum vemos Davi se rebelando contra Deus, agindo presunçosamente, como
Saul. Por mais que sejamos perfeitos em certas áreas da vida, não o somos no
todo, por isso é que Paulo escreveu que nossa completude espiritual ainda se
dará no futuro; enquanto isso, devemos prosseguir na nossa peregrinação
espiritual, progredindo cada vez mais (Fp 3.13; Pv 4.18).
Todo cristão deve ser
consciente de que, por mais que um pastor ou líder seja sincero, santo, justo,
bondoso, em algumas áreas de sua vida espiritual ele pode, por vezes, falhar em
outras, pois é um santo revestido do que é humano. Aliás, o próprio salmista
diz que Deus reconhece que somos pó (SI 103.14). Saber isso é importante para
que não façamos injustiça para com os que falham nesta vida.
II. O
AMBIENTE EM QUE DAVI PECOU
1. Criando um Ambiente
Propício ao Pecado
Os capítulos anteriores
destacaram o Davi triunfante, em constante batalha, que lutava incansavelmente
para estabilizar seu reinado. Isso ele fez participando de oito guerras, ao
longo, aproximadamente, de vinte anos, mas agora ele será descrito como o Davi
humano que peca, que se desvia dos caminhos do Senhor, como o que desceu até o
pó, por andar por caminhos tortuosos.
A expressão “decorrido um
ano” é uma referência direta a 1 Samuel 10.14. Já havia se passado o período
chuvoso, então Davi manda que Joabe se lance à batalha contra Hadadezer com o
propósito de que ele não juntasse forças e se fortalecesse. A finalidade dessa
guerra era restabelecer o controle da capital, Rabá, que era a capital dos
filhos de Amom, chamada hoje em dia de Amã, localizada a 35 quilômetros do rio
Jordão.
O texto ressalta que Davi
ficou em Jerusalém. É bem verdade que bom seria se ele tivesse ido, pois a
ociosidade vai abrindo caminhos para diversas tentações. Do seu palácio, que
ficava em uma colina, Davi podia enxergar o quintal de outras pessoas e
contemplou Bate-Seba, mulher de Urias, banhando-se ao ar livre. Por meio da
expressão “passeava”, possivelmente às três horas da tarde, ele tenha ido fazer
uma caminhada, um relaxamento, ou tirar uma sesta, conforme o costume daquele
tempo, e, de modo inesperado, contemplou uma bela mulher, atraente, tomando
banho. Ele não conseguiu vencer a tentação e pecou.
Que fique claro, passear,
fazer exercício físico, um relaxamento, nada disso é pecado, pois o próprio
Jesus passeava (Jo 10.23); a questão é quando a cobiça ou a concupiscência se
torna descontrolável, a ponto de a pessoa fazer de tudo para que o seu desejo
seja realizado, usando dessas circunstâncias para desagradar ao Senhor. Em tudo
o que se descreve nos primeiros versículos do capítulo 11, entende-se
claramente que Davi procurou preparar o ambiente para o pecado.
Isso podemos
analisar da seguinte maneira:
• Enquanto alguns estavam arriscando a vida na batalha, Davi
passeava no palácio. Já falamos que ele fazia sua sesta, mas o seu passear para
um lado e outro não o levava a lugar algum.
• Contemplando tudo. De onde estava, Davi podia contemplar
tudo, mas vale dizer que contemplar não era pecado, mas não manter controle
sobre o que se vê, sim. Observe que Davi contempla uma linda mulher tomando
banho; começou com um vislumbre, que logo se tornou um olhar fixo, impuro e,
conforme falou Jesus, os que procedessem assim já teriam cometido adultério (Mt
5.28).
• Davi procura se informar sobre a mulher, o que revela seu
grande desejo pecaminoso. Através de suas indagações, ele toma conhecimento da
família e do marido da mulher: ela era esposa de um de seus soldados, Urias, o
qual se destacava como grande soldado, sendo um dos mais corajosos, estava
incluso na lista dos valentes (2 Sm 23.39) e era fiel ao rei. Ele era heteu;
todavia, aceitou a religião de Davi, o que pode ser provado pelo seu nome, Luz
de Javé.
• Agindo como rei ímpio. Ao mandar buscar Bate-Seba para a
tomar para si, Davi estava procedendo como um rei oriental ímpio, que poderia mandar
buscar a mulher que o agradasse para a possuir, mas isso jamais deveria fazer
aquele que tivesse conhecimento da lei de Deus. Davi passa por cima de tudo,
mesmo tendo conhecimento de que a mulher era casada. Ele não queria saber.
Antes, seu objetivo era satisfazer seu apetite carnal agora desenfreado.
Todos esses pontos deixam
claro que Davi criou um ambiente para o pecado, pois não foi cuidadoso no seu
dever. Ele também deveria estar na guerra, mas, em seu ócio, deixou-se dominar
pelo que viu, tendo um olhar descontrolado, não procedendo como Jó (31.1), nem
atentando para a Palavra, que alerta para orarmos a fim de que o Senhor nos
livre de contemplar coisas vaidosas (SI 139.37). Davi vai trilhar o caminho do pecado,
da derrota, porque vai desejar o que viu, vai indagar acerca do que viu.
Pareciam coisas simples, fáceis, controláveis, mas elas se tornaram fatais para
esse rei. O pecado sempre parece vantajoso, inocente, sem complicação, mas é
bom lembrar que sua prática pode deflagrar uma queda tão grande que pode até
ser difícil se levantar outra vez, quando não impossível.
III. O
ADULTÉRIO E O HOMICÍDIO DE DAVI
1. Pecado Gera Pecado
Como diz o salmista, pecado
gera pecado, um abismo chama outro abismo (SI 42.7). Depois que se deita com
Bate-Seba, Davi trilha os mais baixos caminhos do pecado, que o conduzirão à
hipocrisia, mentira, ingratidão.
É sempre bom lembrar que um
pecado leva a outro. Logo que toma conhecimento de que a mulher engravidou,
Davi começa a fazer de tudo para encobrir seu pecado. A primeira coisa que faz
é chamar Urias, com o pretexto de saber da campanha militar que estava sendo
desenvolvida. O propósito dele, porém, era para que Urias fosse dormir com sua
mulher, para que ficasse claro que a gravidez de Bate-Seba era de seu próprio
marido, o que não aconteceu, pois Urias ficou na porta da casa real como
escudeiro fiel ao rei.
Para vergonha de Davi e
também prova de que sua consciência estava morta, ao perguntar para Urias por
que não havia ido dormir em sua casa, ele prontamente respondeu que não poderia
gozar dos prazeres do lar, do afago da família naquele momento, enquanto seus
amigos soldados e companheiros de batalhas sofriam as mais duras lutas. Afinal,
ele havia feito um juramento no sentido de que lutaria pela vida do rei e de
sua alma.
Ainda tentando encobrir seu
pecado, Davi vai praticar outro ato baixo contra Urias, procurando agora
levá-lo à embriaguez. Dessa maneira tiraria sua capacidade racional e o faria
deitar com sua mulher, o que não aconteceu, pois Urias se recusou a ir para
casa. Era triste e vergonhoso olhar para um rei como Davi, que fora escolhido
para praticar a justiça, defender os indefesos, ser santo e sincero, proceder
dessa forma, tendo moral tão baixa. Certos biblistas afirmam que o registro
desse ato vergonhoso e pecaminoso de Davi seria para mostrar que qualquer homem
de Deus pode pecar; assim, fica um exemplo a não ser praticado e um alerta (1
Co 10.11,12).
No mais, o registro desse
pecado imoral de Davi mostra que a Bíblia não esconde pecado de ninguém, nem do
homem segundo o coração de Deus, o que prova sua veracidade, mas é fato
comprovado que o mais grave pecado, quando seguido de verdadeiro
arrependimento, confissão, pode receber o perdão da parte de Deus (SI 51).
Como servos de Deus que
somos, devemos sempre lembrar que o inimigo de nossa vida busca a todo momento
nos tragar (1 Pe 5.8). Desse modo, não devemos confiar nas vitórias
conquistadas no passado, na posição que temos, pois somos sujeitos a pecado. Importante
é confiar em Deus e fugir daquilo que pode nos derrotar. O procedimento de José
quando assediado pela esposa de Potifar foi fugir, pois ele tinha consciência
de que, caso cometesse o pecado, estaria ferindo o seu senhor como a Deus (Gn
39.15). Paulo alertou Timóteo a fugir das paixões da mocidade, que envolvem
várias coisas (2 Tm 2.22). Assim, o servo de Cristo deve fugir de tudo aquilo
que compromete e interrompe sua comunhão com Deus.
2. O Homicídio de Davi
Nos versículos 14-26, tem-se
o grande desfecho maléfico do pecado de Davi, ou seja, o seu auge. Ele dá ordem
ao próprio Urias para que fosse até Joabe com uma carta e, sem que soubesse,
ela continha sua sentença de morte. O rei pediu a Joabe que observasse o ponto
mais perigoso da batalha e ali colocasse Urias. Assim iria morrer um grande
soldado, tudo por causa de um mero prazer, um pecado escondido. Urias morre
simplesmente por causa da luxúria de Davi. Joabe diz que quem fosse levar a
notícia ao rei, se ele manifestasse, seria por causa da morte de alguns na
batalha, evidenciando assim um serviço militar não bem projetado; logo, deveria
anunciar a morte de Urias, pois ela seria uma notícia de alívio para o rei, no
plano de encobrir todos os seus pecados.
Davi estava com sua
consciência morta, apesar dos dois pecados cometidos, adultério e homicídio.
Ele considerou normal tudo o que aconteceu, inclusive outras mortes inocentes
(2 Sm 11.17). O que ele planejou para escapar dos seus pecados foi feito.
Parecia até que as coisas iriam ocorrer bem, mas no texto de 2 Samuel 11.27 é
dito que o que Davi fez foi mau diante dos olhos do Senhor. Para Deus, Davi
procedeu como um louco, um pecador desenfreado, portanto, não ficaria isento da
ira divina. Se não fosse pela onisciência divina, a morte de Urias passaria
simplesmente como sendo culpa dele mesmo. Ele avançou demais com os outros
homens, não obedecendo às ordens de Joabe, o comandante de Davi.
O que Davi havia feito em
silêncio, oculto, logo todo o Israel tomaria conhecimento, pois Deus iria agir,
o que prova claramente que para Deus não importa se a pessoa é rei, se tem
grande capacidade, se travou grandes batalhas. Na verdade, o que Ele deseja é
que os que fazem a sua obra vivam segundo a sua Palavra, andem em verdade e em
santidade.
3. Davi e seu Comandante
Esse comandante de Davi, que
não valorizava a vida humana (2 Sm 3.27); vai atender a solicitação do seu
soberano, pois logo viu que poderia tirar vantagens desse assunto todo. Joabe
olhava para o rei Davi como um grande rei, um homem de comunhão com Deus, mas,
agora, frente ao seu pedido, entendia que alguma coisa estava errada. Davi
estava dando a Joabe um trabalho sujo, o de tirar a vida de um soldado bom e
inocente, porém ficaria um questionamento na mente desse comandante: Por que o
rei quer matar um homem tão bom? Procedendo dessa maneira, o rei estava abrindo
as portas para que ficasse vulnerável a qualquer coisa, inclusive uma blasfêmia
de Joabe.
Sempre é bom o servo de Deus
procurar proceder corretamente para não contribuir para que outros blasfemem
sua fé, sua comunhão com Deus. Todo o procedimento pecaminoso de Davi deixou
marcas indeléveis nele, no seu caráter e em outras pessoas que se inspiravam
nele. Teve ainda que pagar com sérias consequências, as quais iriam lhe
perseguir por toda a vida.
Pr. Osiel Gomes | Divulgação:
Escola Bíblica ECB